Orar em línguas ou glossolalia é uma forma de oração preferida por muitos cristãos de hoje. No entanto, muitos destes não entendem o sentido verdadeiro de tal oração, reduzindo-o a uma mera repetição de sílabas desconexas entre si que carecem de significação. Já outros, ridicularizam este método de oração como se não tivesse nenhum valor para a Igreja. Percebe-se que há entre os primeiros uma confusão com os termos “orar” e “falar” em línguas. Além disso, afirmam que a oração em línguas que fazem hoje conserva o mesmo sentido da “oração” dos apóstolos em Atos dos Apóstolos capítulo 2.
O termo “orar em línguas” acentua mais o caráter individual da relação do homem com Deus. Este parece ter o sentido que sugere alguns textos paulinos (cf. 1Cor 14,2; 14,4.5a; 14,14; 14,18) e também algumas passagens dos At (cf. At 10,46; 19,6), sendo assim uma prática comum na Igreja primitiva. Consiste numa linguagem na qual nem a pessoa nem os outros entendem o que se expressa. Orar em línguas é deixar que o Espírito fale por nós, já que quando rezamos por nós mesmos não sabemos o que pedir nem quais palavras usar (cf. Rm 8,26-27 ). O destinatário deste modo de oração é o próprio Deus. E quem ora é o espírito do homem, shekiná (morada) do Espírito de Deus; este é quem inspira a oração para louvar o Criador.
O falar em línguas em At 2 sugere dois sentidos para o termo “falar em línguas”: o de “orar em línguas” como dito acima, mas também o de “falar em línguas” interpretando-a, pois não fica somente na individualidade, mas abre-se à comunicação da mensagem. O texto de At diz que todos os presentes os entendiam (At 2,6b). Além disso, o texto também mostra a necessidade intrínseca da relação do “falar em línguas” com a profecia (At 2,14ss). “Falar em línguas” (=profetizar) é um fenômeno comum desde o Antigo Testamento e se liga ao fenômeno profético israelita (Nm 11,25-29; 1Sm 10,5-6; 10-13; 19,20-24; 1Rs 22,10; Jl 3,1-5). Percebe-se na análise destes textos do AT que o dom de falar em línguas é dado por Deus a algumas pessoas. Já nos Atos, se realiza como promessa para todos os povos conforme diz especificamente a profecia de Joel (cf. Jl 3,1-5). Em At 2 o dom do Espírito Santo recebido pelos apóstolos tem o sentido de cumprimento das profecias messiânicas do AT na “plenitude dos tempos” (cf. Gl 4,4 ). Lucas se utiliza do fenômeno da glossolalia para mostrar que a efusão do Espírito Santo aos apóstolos os autoriza para a missão da Igreja e como prefiguração da realização universal desta missão.
Vê-se, pois, que o “orar” e o “falar” em línguas estão intrinsecamente associados. O texto de At 2,1-4 causa a confusão hoje numa leitura que observa apenas o fenômeno da glossolalia e não observa nas entrelinhas do texto a mensagem teológica do autor. O orar em línguas, tão comum a tantos cristãos hoje, precisa ser conservado, mas também deve-se considerar o “falar em línguas” (=profetizar) presente em At 2,1-4. Neste sentido diz São Paulo: “Desejo que todos vós faleis em línguas; desejo ainda mais: que todos profetizeis. O que profetiza é maior do que aquele que fala em línguas”. (1Cor 14,5a). Em suma, a oração em línguas é um dom de Deus concedido à Igreja e deve ser conservado em todos os seus sentidos.
Artigo por:
Aparício Clemente de Souza,
Artur Nelson de Oliveira e
José Antônio Ramos.
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